
50, 60; 70, 80, 90 à hora, os raios equidistantes na roda da bicicleta recriam figuras abstractas numa ilusão de óptica. Sinto a corrente solta e improviso um modo de parar este veiculo desgovernado onde tenho o vento a favor da aceleração. A necessidade de sobreviver ao receio do impacto como última alternativa para imobilizar este desconforto, lembra-me de quando criança o meu primo com quem cresci no colo da minha Avó materna, ter preso por uma guita a sua à minha bicicleta, onde ainda não sabia manter o equilíbrio e nos lançou por uma ribanceira abaixo. Loucuras inconsequentes sem danos e que apenas nos deixam saudades da época da inocência, mas para quem nos enchia de carinho e ternura provocou alguns cabelos brancos. Apanho uma estrada de empedrado, sobre a qual os meus braços tremem, tentando aguentar o animal onde monto de pé. Sensação idêntica, aquela vez em que quando já frequentava a escola primária e uma das auxiliares de educação, antes mesmo das aulas acabarem me levou a casa a pedido da minha mãe. Aguardava-me uma surpresa, o meu pai tinha regressado da África do Sul, onde tinha estado 6 meses a trabalhar. Estava sentado na minha cama, demos um prolongado abraço. Estávamos no inicio da década de 80. Tinha-se dado o acidente no reactor nuclear em Chermobyl, o Muro de Berlim ruiu, a União Soviética lança a Estação Espacial MIR, a TV Globo lança o Viva o Gordo, os U2 começam a marcar a sua popularidade, Nelson Piquet é três vezes campeão do mundo, dá-se a Revolução Iraniana, surge o sistema operativo Windows, Ronald Reagen é eleito presidente dos EUA, ocorre o massacre na Praça de Tiananmen (China) onde morreram cerca de 7,000 manifestantes. Neste rewind, a fúria da velocidade da minha bicicleta é vencida por uma subida íngreme, onde ao chegar ao topo, avisto a linha do horizonte com a estrela que tem olhado por mim. Pergunto a mim mesmo num silêncio coberto de pó, por mais quanto tempo?





O olhar baço de uma Íris gasta pelo tempo transmite a existência de um sábio estado de vivência terrena, cujo rosto enrugado resiste às intempéries da soma dos dias que mantém um corpo acordado. Da mesma forma que cada anel num interior do tronco de uma arvore nos informa da sua idade, nos humanos a falta de expressão facial, leva a compreender que dadas as incontáveis horas de sucessivas paixões e ódios inerentes ao decorrer da vida, é chegado um momento em que já quase nada nos surpreende!