domingo, dezembro 24, 2006


50, 60; 70, 80, 90 à hora, os raios equidistantes na roda da bicicleta recriam figuras abstractas numa ilusão de óptica. Sinto a corrente solta e improviso um modo de parar este veiculo desgovernado onde tenho o vento a favor da aceleração. A necessidade de sobreviver ao receio do impacto como última alternativa para imobilizar este desconforto, lembra-me de quando criança o meu primo com quem cresci no colo da minha Avó materna, ter preso por uma guita a sua à minha bicicleta, onde ainda não sabia manter o equilíbrio e nos lançou por uma ribanceira abaixo. Loucuras inconsequentes sem danos e que apenas nos deixam saudades da época da inocência, mas para quem nos enchia de carinho e ternura provocou alguns cabelos brancos. Apanho uma estrada de empedrado, sobre a qual os meus braços tremem, tentando aguentar o animal onde monto de pé. Sensação idêntica, aquela vez em que quando já frequentava a escola primária e uma das auxiliares de educação, antes mesmo das aulas acabarem me levou a casa a pedido da minha mãe. Aguardava-me uma surpresa, o meu pai tinha regressado da África do Sul, onde tinha estado 6 meses a trabalhar. Estava sentado na minha cama, demos um prolongado abraço. Estávamos no inicio da década de 80. Tinha-se dado o acidente no reactor nuclear em Chermobyl, o Muro de Berlim ruiu, a União Soviética lança a Estação Espacial MIR, a TV Globo lança o Viva o Gordo, os U2 começam a marcar a sua popularidade, Nelson Piquet é três vezes campeão do mundo, dá-se a Revolução Iraniana, surge o sistema operativo Windows, Ronald Reagen é eleito presidente dos EUA, ocorre o massacre na Praça de Tiananmen (China) onde morreram cerca de 7,000 manifestantes. Neste rewind, a fúria da velocidade da minha bicicleta é vencida por uma subida íngreme, onde ao chegar ao topo, avisto a linha do horizonte com a estrela que tem olhado por mim. Pergunto a mim mesmo num silêncio coberto de pó, por mais quanto tempo?