sábado, janeiro 27, 2018

Voltei a adormecer no vazio do quarto com a alma a levar e a trazer mistérios, transpondo uma porta aberta para uma divisão cheia de sombras, acordando episódios do passado e ao acordar vivi de novo a sensação de os ter perdido ao não os recordar. Mas há vivencias que conseguem não ficar turvadas pelo pó do esquecimento. Como a saudade de ouvir a avó Carlota a correr a trás de mim, quando eu fugia pelo pátio fora, sem olhar para trás, na traquinice de uma criança que só conhecia o amor das mãos, quando Ela finalmente pegava no meu braço e me agarrava pela cintura e me subia ao nível dos olhos, lavados em ternura. A vida parava naquele instante, com a memória ainda virgem, a gravar este momento com detalhe e precisão, para que o futuro viesse a revelar os vincos que só as emoções conseguem reproduzir. A noção da grandeza do pátio foi minguando à medida que o fedelho foi perdendo os traços da ingenuidade, para dar lugar ás cores que brotam dos pensamentos e rebeldia de um adolescente. Por esta altura, os fins de tarde chegavam não raras vezes, sobre o longo e apodrecido cais de madeira, há muito ameaçador de derrocada, com o horizonte num intenso fogo, enquanto o Tejo acariciava o casco das bateiras numa sonoridade que atraia o sono, com as pálpebras a procurarem resistir-lhe, embriagas com o voo das garças atentas ao descuido dos peixes, entregues à sua sorte, como um muro caído que ninguém salva, ou como os restos de um cartaz a desfazer-se, assemelhando-se ao desmaio das frases gravadas na pedra tumular, que preenche o lugar onde estão todos aqueles que já não estão entre nós. Na verdade, continuam sempre entre nós, num amor que nunca se esquece, quente e apaziguador, terno e intemporal.
 
Janeiro 2018

terça-feira, janeiro 09, 2018

Poucas vezes sabemos como algo vai acabar e quando o sabemos, parece que a vida não tem graça. E ao sabe-lo não é que sejamos um apóstolo da descrença ou da falta de força interior, é antes uma luz que desfalece e cede perante a força da noite, porque sabemos que o momento não está a nosso favor, por escolhas sem outra consequência que não seja termos abusado de uma infinidade de personagens dentro de nós, que convivem ora em harmonia ora em desafio permanente que nos provoca...m o viciante arrepio de não termos o chão debaixo dos pés e que não se compadecem com o natural desgaste de qualquer simples e tosca máquina. Foi assim que o joelho falhou na Maratona de Valência este ano.
Mas há coisas que guardamos para sempre no coração, como uma mala de mão que nos acompanha num voo, por o mais importante ir sempre connosco, como gestos que viajam de mais perto, outros de maior distância, para nos dizerem que é apenas um momento, não é uma sentença para a vida.
E depois há ainda as surpresas, como aterrar em Lisboa e ter um convite inesperado para almoçar, num lugar incomum a fazer lembrar o mergulho deste fim de semana em El Saler, com o Mediterrâneo todo para mim.
 
Novembro 2017
O apetite/fome tem a fúria de uma bala que trespassa um corpo, o silêncio de quem está sentado no escuro à nossa espera. Sacia-lo (a) tem o esplendor da leveza da água, a consciência da natureza dos Deuses ou mesmo a capacidade de amar uma pedra.
 
Novembro 2017
Acercam-se os dias de Mad Max, entre o pôr e o nascer do sol, da estrada da fúria à cúpula do vulcão, ouvesse o som das vozes dos desafios que vivem dentro de nós, como um sino a ressoar, a chamar pelo atrevimento do que nos faz sentir vivos, querendo desprezar a chamada tremulante da consciência das convições do bom senso.
 
29 Novembro 2017
Para onde quer que vá o teu calor acompanha-me, pouco importa se em tons de céu limpo ou na chegada de uma tempestade, o que nos liga é a luz e a luz desde todo o sempre, foi sinónimo de entendimento.
 
4 Dezembro 2017
Impressões vividas no decorrer dos 42k do EPIC Trail Azores.
 
Faz muito tempo que procuro saber se as gaivotas se sentem mais felizes a deambular sobre o mar, ou pelo contrário quando planam sobre terra. Esta pergunta voltou a acompanhar-me enquanto percorria a Ilha Verde... A Avó Carlota levava-me pela mão enquanto ajeitava o meu bibe azul, com o Jó a ladrar numa amorosa fúria, para vir lamber-me as faces, com seus olhos a arder de meiguice, na oposição do cigarro já acabado nos lábios do Avô Francisco,... que entoava gargalhadas a chamar-me "mariola, vais à escola"!
O mundo era assim compreendido no espaço de tempo que levava a percorrer estes cenários de criança, tantas vezes deslumbrado na carteira da escola, atento á Professora Zília, que narrava histórias decorridas em bosques encantados, os bosques que atravessei no EPIC, alguns tão densos, que fazia noite no interior deles, com o vento a acariciar as árvores em melodias imperceptíveis, mas ainda assim envolventes como o nevoeiro que escondia as belezas da Ilha, ao estreante naquela latitude.
A dor que era esperada aparecer a qualquer instante (joelho), não surgiu e assim na soma das horas em que poupei na potencia, foi surgindo uma crescente confiança que transportou-me à chegada, onde esperava por mim um saltitante abraço do Nuno Janela, no ambiente cósmico que as furnas oferece. Naquele momento, ali, enquanto ele fazia a festa de reencontrar-me depois do UTAT 2017, dei com a resposta à indagação sobre os estados de espírito das gaivotas. Não importa onde estamos, desde que ao nosso lado ou mais longe, o sentimento se revele com o calor e a força de um vulcão, fazendo desse momento um alinhamento de estados de felicidade.
 
4 Dezembro 2017
O futuro cintila na chama do infinito, num encontro suave com a aguarela azul da aurora, que recria no espelho de água, uma ilusão tingida, que deixam os olhos brilhantes, onde os ecos internos são esmagados pela voz do nada. E a poeira frágil, que dá cor ao mundo, flui invisível e sem zumbido, como sangue na estafeta que o leva num eterno retorno ao coração, onde estão guardadas todas as histórias que embalam o sono.
 
13 Dezembro 2017
Se não adormeceres, partirei antes de ti, porque o céu não vai ficar com menos uma Estrela, pela razão de que homens há muitos e esses não brilham na escuridão da noite. E são as estrelas que dão alento à vida dos homens, sobre o céu que os abrange.
 
22 Dezembro 2017
O dia dá-se num semblante de alegria, no paladar que as recordações emagrecidas pelo tempo, lutam por se manter vivas com o afinco dos sonhos. A silenciosa companhia que as recordações nos oferecem, enquanto o sonhos nos embalam, são como um colo que toda a criança procurou um dia. O Natal no passar das gerações, é uma imensa galeria onde as horas passadas entre os amores da nossa vida, vão moldando a nossa capacidade de saber viver com a imutável angustia do tempo, ao nunca sabermos o tempo que temos, com o sofrimento que daí advém ser incompreensível, mas é esta finitude que nos mantem estranhamente de pé e nos amamenta a loucura de sentir o medo do avesso.
 
25 Dezembro 2017
Este foi o ano dos deslumbramentos, nas sucessivas viagens que tantas vezes lançaram a alma para a vertigem da birra de uma criança, ao espojar-se pelo chão, no seu poço de lágrimas e aparentemente indomável, de coração aceso no querer ficar ali, por ali ser o local onde se sentiu pertencer... A poucas horas de embarcar num sono, em busca de deslindar esquivas paisagens mentais, para ao acordar no regresso ao futuro trazer os despojos das vivencias do passado, na satisfação do que fizemos, ao sentirmos que a vida nos inspira e nos envolve em novelos de paixão.
 
29 Dezembro 2017
Sobre o olhar da eternidade, o Homem procura compreender tudo em que toca. E quando não consegue tocar por alguma razão que não depende da sua curiosidade, entra no reino da ficção, onde a austeridade das paixões é levada ao limite, sendo aí que a sua derradeira aventura rompe do seu núcleo e o lança na escuridão do que a sua perseverança o permitir criar.
 
Janeiro 2018