domingo, agosto 29, 2010

Existe um demónio que vive dentro de mim, como uma pérola dentro de uma ostra que ganha brilho e tamanho de acordo com a longevidade que vai conquistando nos interstícios do meu ser. Nas últimas décadas tenho vindo a tornar-me uma apetrechada fortaleza, como quem se prepara para a derradeira das guerras e é nesta que acredito, que perante a dança da morte, este mafarrico encontre outro corpo de que se ocupe.
No cume da minha fortificação, vejo ao longe a firmeza titânica com que a estanquicidade de uma barragem se afirma na subida do caudal. Com o mesmo vigor, todo o meu interior procura resistir à libertação em cadeia, da fusão a frio de sentimentos de amor e ódio, gerados pelas batalhas em que proporcionei o derrame da hipocrisia. Sentado no meu baluarte, oiço as narrações da memória da água que percorre o fosso que circunda o maior dos castelos do meu reino. E em todas elas, algo se repete. Muitos tem vivido ao longo dos tempos inconformados com os respeitáveis resultados que a minha perseverança tem conquistado. E se um dia ousarem perguntar a que se deve tamanha convicção, responder-lhe-ei na contrapartida de me darem as respostas para a minha vida bem como as respostas para os meus sonhos.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Como o vento semeia as papoilas, inalo a maresia com a suavidade da brisa que projecta a vela da minha embarcação sobre o espelho do Mar. Neste, aventuro-me sozinho por entre mundos que não domino e sei que a minha existência fica à mercê dos caprichos e devaneios de criaturas, para as quais não fui programado as compreender. Não conheço silêncio mais preenchido e auspicioso que o silêncio de Deus. No entanto o silêncio que provoca a ausência de desafios, não é menos arrebatador. O Sol esgueira-se na ranhura do horizonte e com ele corre o postigo que nos deixa na escuridão, que nos predispõem à magia dos sonhos. Faço rodar por entre a minha mão, o puxador da porta da biblioteca que guarda nas estantes, maços de papel humedecido, pelas lágrimas corridas das saudades que o coração exalta, dos que guardam em si a facilidade de provocar a metamorfose do sorriso em gargalhada e de um piscar de olhos, num imenso gesto de ternura. Quando saiu, ao fechar de novo a porta da biblioteca, recebo a violência do clarão de luz do raiar do dia sobre o meus frágeis olhos que procuram concentrar-se nos ponteiros do relógio, que apesar do constante ritmo, a sua frequência cardíaca não sofre oscilações, aos invés das paixões do Homem, que à medida que a sua longevidade avança, toma consciência que a sua maior magnificência, são os abraços que recebe dos que o amam verdadeiramente. E de novo à boleia de um vento nómada, que toma conta do meu rosto, vivo o dilatar das minhas narinas como se este fosse o meu último prazer. Não quero morrer, mas quando o criador da vida morre (O Amor), tudo em volta se perde.