domingo, julho 30, 2006


O sono partiu com o Sol e vagueio pelo silencio das ruas desertas da noite. Oiço o frenético efeito da humidade nocturna sobre os cabos de alta tensão. De quando em vez um ou outro carro passa de rajada, rente ao meu caminhar, com os máximos acesos, ofuscando o olhar. Sou ladeado por fileiras de prédios que encerram em si, sonhos e conversas de almofada...
Tropeço numa pedra sem agravo e quando estou para levantar os joelhos do asfalto, dou com um olhar felino a fisgar-me.
Por entre a escuridão apenas se revela aquele olhar triangular, penetrante, por vezes ameaçador. Retomo o meu caminho, sempre com os olhos postos naquele ser noctívago, sem ter a noção do que tinha pela frente. Num salto subtil saí da escuridão decidido a vir ao meu encontro, com um poderoso grunhido congela-me os sentidos e por momentos os meus instintos apagam-se perante tamanha imagem de perigo e beleza. No instante em que vejo suas garras dirigirem-se para me dilacerar, o meu corpo ganha uma outra forma de vida e levanto voo, sobe a forma de um ser alado. Decido pela evasão ao confronto.
O nosso instinto de sobrevivência, faz com que decidamos muitas vezes pelo confronto. É nos difícil a nós seres ditos dotados de racionalidade, coexistir com as particularidades do instinto. O Homem tende a sentir dificuldade em resistir à tentação de fazer uso da sua parte animal. Estamos ainda muito próximos do momento em que abandonamos as cavernas, tem apenas alguns milhares de anos e mesmo depois de todo esse tempo decorrido, vivemos com realidades muito distintas e cada vez menos harmoniosas. O Homem deu passos muito grande à luz da sua própria imagem, porém somos seres que ainda vivemos na escuridão do tempo à imagem do universo. A pergunta de hoje já não é de onde viemos? Mas sim para onde pretendemos ir. O maior obstáculo é a mudança de atitude, com vista a uma maior consciência cívica. Sendo certo que o Homem é predador de si próprio, alguém arrisca abordar o desafio que temos pela frente?!? Pobre daquele que acredita em profecias!

quinta-feira, julho 20, 2006

Venha eu a ter anos de vida, como o numero de pessoas que já se sentaram nesta cadeira que transporta-me de bem com a vida. Colado ao vidro desta janela que assiste ao decorrer dos dias do Homem, assisto eu também ao passar da paisagem com um olhar solto e desprendido, de quem não retém as formas e cores, tal qual atraídos pela curiosidade, como quando esfolheamos um livro em busca de algo que não sabemos existir. Sinto as coisas darem-se em meu redor como se não estivesse a participar delas, fiz zapping à minha própria história, mas continuei ligado à realidade dos dias onde o nosso espírito é confrontado com a necessidade de habitar no melhor dos nossos mundos.
Alguém sem que percebesse, abriu uma janela, desta sufocante carruagem e por entre correntes de ar, as minhas asas soltaram-se da habitual camuflagem e saí por entre o túnel de vento deste comboio intergalático. Entrei nesta viajem em busca da plenitude nos sentidos, da comunhão na aprendizagem, do sabor da cumplicidade. Minhas asas são tudo o que tenho como forma de dar um ar fantástico à mundana criatura que sou. As asas são o nosso desejo, a nossa imaginação, a nossa vontade de ir mais além como modo de projectar quem somos na mais infindável leveza do nosso ser. Onde a pureza começa e acaba fazendo de nós senhores de uma mensagem universal pela bondade de dar por dar prazer a quem decide estar connosco. E se por momentos fosse possível conquistar a imortalidade á cadeira que recebeu o efémero momento que estive sentado sobre ela, iria querer fechar os olhos e perder a noção das fronteiras que este planeta nos oferece, face á nossa condição humana. Lá em cima há planícies sem fim, há estrelas que parecem correr, há o Sol e a vida a nascer, nós aqui sem parar numa Terra a girar, há um céu de cetim, há cometas, há planetas sem fim, lá em cima acredito ser o futuro, com alegria, a rir, unidos num abraço. Foi este o sonho incutido pela minha infância.

sábado, julho 15, 2006


Lá bem ao longe onde a linha do horizonte se funde com o espelho do mar, emirjo montado num cavalo alado. Subo em espiral em busca do último rasgo de luz que guarde consigo alguma energia cósmica que fortaleça a estrela que vive por cima de mim.
Foi num dia como este onde o lusco-fusco proporcionava uma estranha claridade ao olhar que ela me escolheu e não mais partiu. Desde esse dia que me sinto protegido dos anjos negros, que tantas vezes procuraram levar-me consigo, para uma realidade opaca sem cor onde tudo se move em câmara lenta sem que sintamos o pulsar da vida.