sábado, julho 12, 2008

Numa altura em que a utilização do descartável veio para ficar e a mutabilidade dos nossos hábitos põem em causa, os nossos costumes que se propagam no tempo e no espaço, continua a ser uma surpresa quase diária quando abro a caixa do correio e verifico que um envelope espera por mim. Pouco importa se são cobranças... o gesto de enviar uma carta, acabou por se perder na excepção do Natal. O correio electrónico tomou conta dos nossos dias, nos envios de tudo aquilo que muitas vezes atesta o magro espaço que dispomos para este fim e simplesmente desvirltualiza o conceito de escrever a alguém. A preguiça, a falta de tempo, o não saber o que escrever ou até o não ter a quem escrever, acabam por justificar as quebras de circulação de cartas a nível planetário. Creio que o aumento da publicidade que é despejada nas nossas caixas de correio é que ainda vai fazendo aquele centímetro quadrado não morrer de tédio. Há uns anos ainda assistíamos ao nosso vizinho vir entregar uma carta que por engano tinha sido colocada na sua caixa de correio, motivo este que muitas vezes potenciava algum diálogo entre vizinhos. À medida que são criadas ferramentas tecnológicas com vista a nos aproximar mais uns dos outros, vivo a experiência do avesso, onde nem o incremento dos 3 dígitos do arruamento do código postal veio traduzir num aumento do desejo e da necessidade de fazer de nós seres capazes de escrever o que quer que seja que proporcione a quem recebe uma carta, um efeito surpresa que poderá ser a única razão para o fazer sorrir nesse dia. Porém esquecemos que um dia por fim, vamos viver para uma morada que em local algum, quem quer que seja, vai encontrar o código postal para que nos possam escrever!

segunda-feira, julho 07, 2008

Interrogo-me sobre a importância que determinadas pessoas tem na existência de outras e se é possível de ser comutada de alguma maneira a sua eterna ausência no exacto momento em que partem na proporção de quem acende um fósforo, sabendo à partida que vai ser efémero o calor e o brilho que daí advirá?! Num instante, toda uma vida fica resumida ao jogo de cores que o calor provoca diante de nós, num olhar repleto de soluços. Perante a finitude que encerra a existência humana, restam as recordações, que entretanto foram resvalando para a Fossa das Marianas da memória. A 4 de Dezembro de 1980, o meu Tio Fernando ainda vivia no r/c de uma vivenda, na rua onde ficava o 1º posto médico da Póvoa Sta. Iria. Nessa manhã em que faleceu Francisco Sá Carneiro, na qual de mão dada com a minha Avó Carlota, fomos buscar o meu primo Nuno para irmos para a escola, guardo a mais longínqua recordação dessa casa que muito tinha de suigeneris pela configuração que disponha bem como a decoração que os meus tios foram adoptando ao longo dos tempos que ali viveram. De todas as divisões desta casa, a que mais me fascinava era a sala de estar... era composta por um sofá verde aveludado, com uns relevos muito prenunciados. Um piano móvel enchia uma das paredes, onde por cima dele era vulgar ver livros, um busto de Beethoven em bronze, caixinhas onde guardavam pormenores que só mais tarde viria a ter a sua utilidade. Num dos cantos desta sala existia um móvel com uma longas portas de vidro, onde o meu Tio exponha a sua colecção de bonecos, eram eles palhaços coloridos, fantoches, bonecas de porcelana, muita arte sacra... no restante espaço sobressaiam as estantes com livros, muitos livros, dezenas deles esquecidos, mas todos eles tenho como certo que foram lidos um dia. A actividade do meu Tio Fernando, convidava-o a ler bastante, não obstante de ser uma pessoa muito observadora, onde o sentido critico era muitas vezes mordaz e inteligente. Nesta casa os Natais eram muito alegres e a Árvore que preside esta época era um deslumbramento ao olhar das crianças pela sua grandeza, pela sua decoração e sobretudo pelo facto de o seu sopé estar repleto de prendas que o meu Tio adorava comprar, como se para ele fossem. Porém um dia existiu necessidade de os meus tios se mudarem para outra casa. Mais pequena, já não tão suigeneris, mas onde coube quase tudo o que existia na anterior. Mas foi nesta que descobri a riqueza dos livros guardados nas estantes da soalheira marquise... Fernando Pessoa, Alexandre O´Neill, Mário Cesarini, António Lobo Antunes, Jean paul Satre... O meu Tio Fernando era uma pessoa desprendida de muita coisa e sempre que lhe pedia para levar alguns livros, ele não hesitava em dizer-me que sim. Nesta altura uma boa parte das pessoas que viviam na periferia de Lisboa, faziam praia na Costa da Caparica. Aí, perdi um dia o medo do mar, quando o Tio Fernando pegou em mim e atirou-me de encontro à espuma de uma onda, que dizia ser espuma como o shampo que usava no banho de todos os dias. Era também frequente mascarar-nos quando chegava o Entrudo, não esqueço um ano em que eu e o meu primo Nuno, aparecemos no baile da Abelheira, mascarados de mulher. Foi um pouco constrangedor para mim, confesso! Os anos foram passando sem que fosse tomando noção disso e estas e outras recordações foram ganhando espaço dentro de uma memória que hoje não tenho a noção da sua proporção, pelo quantidade de momentos que guardo e renascem em função uns dos outros. Uma certeza tenho porém. Não necessitei de sentir a ausência do meu Tio Fernando, para tomar consciência da falta que ele por vezes me faz bem como do amor que sinto por ele. Até sempre, sendo que o até já não depende de mim.