terça-feira, outubro 03, 2006

Já decorre alguns anos que deixei de frequentar a noite Lisboeta. Em meados dos anos 90 saí todas as noites, com especial incidência para a sexta e sábado, onde o rigor no traje era um passaporte para entrar nos locais mais apetecíveis. Do Bairro Alto, passando pelas Docas e acabando em Alcântara, não esquecendo o Príncipe Real, o roteiro da noite era vasto e percorria-se por etapas. Sei que hoje a tradição não está muito longe do que foi, contudo e por força dos tempos as gerações mais recentes, tem outros hábitos, outros gostos. Em suma, outra forma de estar na noite, o que é perfeitamente normal e admissível. O que sempre fez gostar da noite, eram os seus personagens. Gente que após o Sol se pôr se transformava por força da necessidade de encarnar um personagem que só existia no seu imaginário, ou simplesmente não o conseguiam assumir na claridade do dia. Assim, era um desafio analisar todos aqueles, que após alguns breves diálogos e trocar de olhares, percebia pelo comportamento da sua íris as fragilidade que habitavam dentro de si. Conheci gente muito interessante, contudo perdi-lhes o rasto e o que é curioso, é que mesmo que nessa altura nos cruzássemos na rua ou num transporte publico, o mais certo era não nos reconhecermos. Tal eram os adereços que os envolvia. Numa destas noite, conheci uma mulher que se veio a revelar possuidora de um magnetismo muito acima da média. Não porque fosse exuberante ou irresistivelmente bonita. Mas sim detentora de uma energia que desconhecia até aquele momento. Naquela atmosfera ora escaldante ora fria que os vários períodos da noite proporcionam, não tardou que algumas palavras fossem trocadas, o que levou a descobrirmos o fascínio das palavras de um desconhecido. Estes encontros foram acontecendo com casualidade de estarmos no mesmo local à mesma hora, sem marcações prévias. O que ainda tornava mais envolvente uma história cujo começo não tive presente e onde nunca cheguei a perceber se participei dela! Um dia por fim e depois de alguns vodkas, procurei o ar da noite e saí para a rua, caminhei alguns metros e ouvi chamarem por mim. Era ela, cujo nome nunca soube. O seu andar assemelhava-se a um felino, o seu olhar emanava um outro mundo dentro de si e a voz rouca soava por entre os seus longos cabelos pretos, onde as suas palavras chegavam como beijos, causando um efeito de absoluto encantamento. Caminhamos junto ao rio, a brisa fazia com que os nossos cabelos se agitassem, a lua cheia mas encoberta pelas nuvens que visitam Lisboa no fim de Setembro, proporcionava estávamos envolvidos num cenário de fantástico. Com uma rapidez sobrenatural, vejo-me caído no chão com aquele ser em cima de mim, saciando-se com o meu sangue, depois de uma mordida indolor no meu pescoço. Conclui ter perdido os sentidos, quando acordei numa outra rua com um bilhete nas mãos, onde dizia: "depois de hoje, não voltarás a ser o mesmo". No que me terei tornado, se tudo isto não foi uma criação do meu subconsciente?!?